quinta-feira, 3 de julho de 2008

Amor de Mãe

(Ele ocupa-se de tirar o pó de um velho violino. Enquanto isso, ela se olha num pequeno pedaço de espelho).
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_ É, ômi... Tu tinha razão. Eu tô veia. Eu virei foi uma amexa seca.
_ Teu coração é que é seco, mulé. Não tua cara.
_ (dando ombros) Já vi que tu vai é passá o dia alisando essa porcaria aí que teu tio te deu. Bem que tu podia vendê isso aí que é pra vê se uma veiz na vida tu trais comida pra dentro de casa.
_ Num tô podendo mais olha pra tua cara, mulé. Tô cuma reiva aqui dentro do meu peito! Nem sei como é que tu pode vivê assim...
_ Eu só tô seguindo com a minha vida, tu é que podia me deixá em paiz.
_ Tu num pode vivê como se num tivesse aconticido nada, mulé. Tu sabe mior do q eu disso. Tu num pode! Num pode!
_ Tu teve comigo esse tempo todo, hômi... Tu me ajudô. Meu destino é o mesmo que o teu. Num tem porque ficá agora me azucrinando.
_ Eu tinha meus pensamento aqui na minha cabeça que eram tudo bão. Eram tudo pra fazê você mais eu feliz. Mas aí tu veio com aquelas história tua...
_ Num tinha otru jeito, hômi... Eu não queria...
_ Num quria, mais tu fêiz. E eu ajudei. Dispois tu fêiz de novo, e de novo, e de novo!
_ Não! Eu num fiz mais!
_ Fêiz sim que eu sei. Nem pediu minha ajuda, mas fêiz.
_ Não! Eu não fiz! Eu não fiz!
_ Quantas veiz foram, mulé? (segurando-a pelo braço, com violência) Fala! Fala de uma veiz!
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(Tentando fugir, ela pega uma faca que estava sobre a pia o atinge no ventre. Sem forças, ele a solta e ela continua esfaqueando-o, em transe).
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_ Foram sete veiz, hômi. Sete anjo que eu mandei de vorta pro céu pra num tê que passá por essa vida que é só desgraça. Agora tu vai cuidá dos anjo.
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(Ela deita sobre ele, abraçando-o e fica imóvel por algum tempo. Levanta-se repentinamente, como se tivesse ouvido algo e com as mãos ensangüentadas retira com cuidado o violino da caixa).
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_ Shiii! Num chora não, menino. Eu vô cuidá d’ocê. Eu vô sê a mior mãe pra ocê. _ Embalando-o nos braços, ela canta. A voz é rouca e um pouco desafinada – “Boi, boi, boi, boi da cara preta...”
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(Escrito para a comunidade "Dois Lados da Moeda")