domingo, 9 de março de 2008

Por favor, doutor..


Existe cura?
Eu preciso, eu preciso urgentemente de uma cura.
.
Lembra aquela coisa que eu disse sobre solidão?
Era mentira.
Pois é, eu menti e acreditei na mentira.
.
Você pode me perdoar se eu for fraca?
Eu posso culpar você se eu for fraca?
.
Se não há cura aplique logo um anestésico!

domingo, 2 de março de 2008

Des-compasso


Primeira tentativa:
A menina acordou com um susto. Respiração ofegante, batimento cardíaco acelerado.
Ainda é madrugada e dormir é preciso. Respira fundo, acomoda-se na cama de barriga para cima e olha para o teto, fixamente, até não conseguir mais segurar os olhos abertos. Desperdício.
.
Segunda tentativa:
A menina dormia um sono muito leve e logo acordaria. A pior coisa que alguém poderia fazer naquele momento era acordá-la porque isso a deixaria de mal-humor pelo resto da manhã, quiçá pelo resto do dia. E foi assim, nesse momento delicado que ela ouviu seu celular tocar. Fusos-horários diferentes. Desencontro.
.
Terceira tentativa:
A menina acordou com o humor particularmente ácido naquela manhã. Não, o pesadelo no meio da noite não tirou o seu sono e ela até poderia dizer que dormiu bem. O que de fato lhe perturbou foi a declaração de amor ouvida logo cedo ao telefone. Descompasso.
.
Quarta tentativa:
A menina acordou no lugar errado, ao lado da pessoa errada. A incoerência entre a declaração de amor recebida a presença de outrem em sua cama trouxe-lhe um sentimento intenso de solidão. Esta foi a alfinetada que recebera, fruto de suas próprias tentativas de desapego. Desacerto.
.
Quinta tentativa:
A menina acordou com uma dor de cabeça aguda, a garganta seca. É incrível como o vinho se torna nocivo no dia seguinte – e ainda mais quando se dorme pouco. Levantou-se com o passo torto e sôfrego e foi direto para o banho. Ainda sentia no corpo a presença daquele outro corpo que pouco ou nada tinha a ver com o seu. Desafino.
.
Desafino.
Desacerto.
Descompasso.
Desencontro.
Desperdício.
.
A profunda solidão de quando não se está só.
E as perguntas de sempre, ressoando, ressoando, ressoando...
E daqui, o que vou levar?
E daqui, quem vai me levar?


(Texto baseado em rabiscos escritos em Copacabana - Bolívia, no dia 31 de janeiro de 2008).

sábado, 1 de março de 2008

A pequena Sereia

A minha história preferida, na infância:

Na parte mais profunda do oceano, gavia um castelo onde morava o rei do mar, com sua esposa e seis filhas, muito bonitas: sereias de cabelos compridos e sedosos e uma cauda de peixe muito brilehante, coberta de escamas reluzentes e nacaradas. O rei estava contente. Suas filhas cresciam bonitas e ajuizadas. O canto e o sorriso delas enchiam os salões de coral e âmbar do suntuoso castelo, e eram muito bondosas com todos os habitantes do oceano.
.
As princesas do mar se distraiam dando comida para os peixinhos e observando o jogo de cores que se formava na água quando entravam os raios de sol, desde a superfície. Todas tinham curiosidade em saber como seria o mundo fora dali. Mas a mais moça já conhecia alguma coisa, pois tinha um segredo: ela sabia como eram os homens porque, entre os restos de um naufragio, tinha encontrado a estátua de marfim de um moço com pernas loingas e rosto bonito, pelo qual se apaixonara.
.
Todos os dias, ao entardecer, a mocinha nadava ao lado desse seu amigo e conversava com ele, como se a estátua pudesse responder. Por isso, a princesinha sabia como eram os seres humanos e esperava, com ansiedade, o momento de conhecê-los. Este momento chegaria quando fizesse quinze anos já que, nesta data, todas as princesinhas subiam à superfície para admirar o mundo lá de cima. Como ainda faltava muito tempo para isso, a sereiazinha esperava sonhando e conversando com seu amigo de pedra.
.
Quando sua irmã mais velha fez quinze anos e subiu à superfície, voltou ao palácio contando coisas maravilhosas: a cidade era linda! Tinha torres muito altas e, ao entardecer, soavam os sinos das igrejas. Havia muito movimento de carruagens puxadas por lindos cavalos e os humanos riam e cantavam como elas.
.
No ano seguinte, foi a vez da segunda irmã. Ela chegou à superfície ao entardecer e cantou que os seus olhos nunca tinham visto nada mais bonito que o pôr do sol deixando o céu todo colorido, em vários tons de vermelho ede dourado, difíceis de descrever.
.
A terceira das irmãs era uma jovenzinha audaz e decidida que se aproximou da praia para poder ver melhor os homens. Escondendo-se entre as ondas, pôde ver um grupo de crianças que tomamva banho de mar, rindo e cantando. A quarta das princesas era uma sereiazinha tímida que mal tirou a cabeça de dentro d'agua. Ela contou à sua família que vira o céu, cimo um sino azul de cristal sobre as ondas, pelas quais deslizava uma linda embarcação com velas brancas estendidas como as assas das gaivotas.
.
Quando a quinta das princesas subiu à superfície era inverno e sobre o mar verde flutuavam, brilhando como diamantes, grandes icebergs. A princesa subiu em um deles e deixou-se levar, indo em busca de mares mais quentes, regressando, depois, à sua casa. Todas as sereias tinham gostado da sua viagem, mas nenhuma delas voltou a pensar na terra dos homens. Eram felizes ao lado dos seus paus e irmãs, no seu palácio de coral e no seu mar, cheio de tesouros.
.
Só a pequena sereria continuava sonhanco com o que as outras tinham contado. Finalmente chegou a sua vez. Quando chegou à superfície, entardecia e um barco iluminado passou ao seu lado. Estavam fando uma festa a bordo e os fogos artificiais estouravam no céu, caindo como uma chuva de estrelas. De repente, a princesinha teve uma grande surpresa: sobre o convés do barco havia um homem igualzinho ao seu amigo de pedra. Era o jovem príncipe do reino que estava fazendo dezessete anos naquela noite. A sereiazinha gostou tanto dele que seguiu o barco durante sua travessia. Durante a noite caiu um forte temporal e ondas enormes batiam com tanta força no barco que acabou destruindo-o.
.
Os tripulantes lutaram para salvar suas vidas, mas não conseguiram. O príncipe foi nadando para a praia, mas desmaiou antes de chegar, ficando a mercê das ondas. Então a sereiazinha levou-o até a praia. Já estava quase amanhacendo quando a menina viu aproximar-se um grupo de moças vestidas de branco, que vinham de um convento.
.
A sereiazinha escondeu-se entre as pedras e viu como uma das mocinhas se aproximava do príncipe e, levantando sua cabeça, falou-lhe com doçura. O príncipe abriu os olhos e sorriu, pensando que ela o salvara. E depois de reanimar-se, levantou-se, afastando-se com o alegre grupo na direção do convento. A pequena sereia ficou sozinha e triste. Para ela, o seu amado príncipe não dera nem um sorriso, um olhar ou uma palavra de agradecimento.
.
Muito triste, a princesa regressou ao fundo do mar. Quando suas irmãs pediram que lhes contasse como tinha sido a sua viagem, a menina quase não falou. Contou sobre os fogos de artifício e o naufrágio, e nada mais. Desde esse dia a sereiazinha passava todo o tempo triste e melancólica, e não parava de fazer perguntas à sua avó sobre o mundo dos homens.
.
Certa tarde, a menina contou às suas irmãs e algumas amigas, sua aventura com o príncipe. Elas a consolaram e uma das sereias disse que também já vira o príncipe, em seu castelo junto ao mar. A sereiazinha ques vê-lo novamente e foi, muitas vezes, com sua amiga, admirar as escadarias de mármore do palácio do rei.
.
A avó da menina sofria muito ao vê-la tão calada. Tentando fazer com que sua neta voltasse a ser tão alegre como antes, disse-lhe:
.
_ Nós, sereias, podemos viver trezentos anos. Ao morrermos, transformamo-nos em em branca espuma do mar. Os homens, no entanto, têm alma, e quando morrem vão para o céu, morar em lugares que nós jamais conheceremos.
.
A sereiazinha disse, então, que ela também queria ter alma, e a avó lhe respondeu que só o conseguiria se algum humano se apaixonasse por ela.
.
_Mas isso não acontecerá, querida. Para o reino do mar você é muito bonita, mas na terra a sua cauda brilhante parecerá muito feia.
.
Nessa mesma noite, a princesinha saiu do palácio e foi em busca da bruxa do mar, para pedir-lha que transformasse sua calda em pernas. Quando a mulher ficou sabendo o motivo pelo qual a menina queria ter pernas, respondeu-lhe:
.
_ Está bem, você terá pernas. E terá alma se conseguir o amor do príncipe. Mas se isso não aocntecer, o seu coração se partirá ao meio e voc~e se transformará em espuma. Vou te dar uma poção mágica, mas em troca, você deve entregar-me a sua voz.
.
A sereiazinha dirigiu-se à superfície linda e muda. A lua iluminava a escadaria do palácio e, arrastando-se, sentou-se em um degrau para beber a amarga poção que a bruxa lhe dera. Sentiu uma dor tão forte que desmaiou.
.
Na manhã seguinte, o príncipe saiu para dar um passeio e encontrou-a desmaiada, na escadaria do palácio. Achou que essa menina, muda e bonita, era tão encantadora, que levou-a consigo. Desde esse momento a sereiazinha ficou morando no palácio, ao lado do seu querido príncipe. Ninguém a igualava em graça e beleza e o príncipe sentia por ela um grande carinho. Gostava muito de passear com ela, contando-lhe seus sonhos.
.
_Gostaria de ver novamente uma linda mocinha que salvou a minha vida há alguns meses - disse-lhe, e a sereiazinha sentiu, então, que havia poucas esperanças para ela. O tempo passou e o rei pediu ao príncipe que se casasse. O jovem não queria, sonhando com o dia em que voltaria a ver a moça que o salvara, mas acabou concordando com seu pai: ele se casaria com a herdeira do reino vizinho.
.
A princesa chegaria dentro de uma semana, e a sereiazinha sentiu que a vida lhe escapava das mãos. Finalmente, o dia tão esperado chegou e o príncipe e a sereiazinha saíram pra esperar a caravana que traria a princesa. A pequena sereia estava muito triste; o príncipe, no entanto, não cabia em si de contente, porque o destino fizera com que que a proncesa fosse a mocinha que o príncipe pensara que o salvara do nalfrágio.
.
A partir deste momento o príncipe não quis saber de mais nada. Decidiram que a boda seria realizada a bordo de um grande barco. A sereiazinha também assistiria. No dia do casamento, no momento em que os noivos se beijaram, a sereiazinha olhou para as ondas do mar para que não a vissem chorar. Sabia que o seu sonho estava terminando e que, no dia seguinte, transformar-se-ia em espuma. .De repente sentiu que a chamavam do mar e viu suas irmãs, bonitas como sempre, mas sem seus cabelos compridos.
.
_ Vendemos os nossos cabelos para a bruxa do mar em troca de uma feitiçaria para salvar você. Queremos que seja novamente uma sereia, como nós. Mas para que isso aconteça, você deve enterrar este punhal no coração do príncipe, e quando ele morrer você terá novamente sua cauda de peixe para voltar ao fundo do mar onde estaremos esperando por você.
.
Depois de dizer isto, desapareceram. A sereiazinha pegou o punhal e entrou nos aposentos do príncipe. Ele estava ali, dormindo. A menina beijou-o na testa e saiu, jogando o punhal no mar. Mal o sol apareceu no horizonte, a menina lançou-se ao mar, sentindo que seu corpo já se transformava em espuma. .
.
Mas, ainda vivia! De repente viu um grupo de jovens muito bonitas, transparentes como gase, que lhe estendiam os braços. Eram as filhas da brisa que, compadecidas com o sofrimento da sereiazinha por tudo o que havia passado para conseguir uma alma, vinham ajudá-la. Elas podiam conseguir uma alma depois de fazer o bem com amor e alegria, durante trezentos anos. .
.
_Quando encontramos um bom menino e conseguimos fazê-lo sorrir, ganhamos um ano; mas, por cada menino que se comporte mal e nos deixe tristes, dão-nos um ano a mais - explicaram - Desta forma, somando e diminuindo boas ações, finalmente você terá uma alma.
.
A sereiazinha feliz e agradecida, perdeu-se no ar, com as outras jovens, para conseguir sua alma. Agora você já sabe: se algum dia a brisa fizer cosquinhas no seu nariz, sorria! Certamente é a pequena sereia, que graças a você, demorará menos para encontrar a sua alma.