sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dicionário: Insônia

Taquicardia; Virar-se de um lado para o outro inúmeras vezes seguidas no intervalo de dez minutos; Desacordo entre as partes do corpo que querem dormir e as que querem acordar; Livros revirados, sem que haja ânimo de iniciar a leitura; Conferir a caixa de e-mails cinquenta vezes num horário em que ninguém envia e-mails; Olhar o relógio de meia em meia hora e cada vez mais odiar não ter dormido; Repassar incansavelmente as tarefas do dia seguinte e do dia seguinte ao dia seguinte; Sentir raiva do tempo que passa ou do tempo que não passa; Sentimento de frustração por estar pela metade; Saudades de beijos no meio da noite; Ver o dia nascer e achar graça da oportunidade de noite perdida; Torcer para que fusos horários diferentes causem encontros inesperados no msn; Hiper-sensibilidade a ruídos durante o dia; Passar um dia inteiro zumbi e à noite estar cansada demais para dormir.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sem título número qual? (ou Perrenoud pode esperar)

Quem conhece, sabe: a menina só escreve quando está em crise, ou apaixonada, ou tem um bom assunto. Quando tem assunto, poucas vezes a menina escreve em blogs. Ter assunto é algo que a torna prolixa e ninguém tem paciência de ler. Aí a menina se deprime.

Hoje é um dia que a menina separou para ler Perrenoud. Foi um sacrifício para a menina encontrá-lo em meio às estantes da biblioteca porque ela não é boa em ordem alfabética, nem em números de chamada. E depois disto: o livro. Página 27, página 28, página 32. A menina pulou a introdução. Ela sempre acha um abuso ter que ler no início aquilo que o autor escreveu só no final. Se o livro é bom, ela volta. Depois lê as orelhas, a bibliografia, as notas dos editores, a ficha catalográfica e tudo o mais onde encontra letrinhas. Se o livro é ruim, ela se sente aliviada por ter perdido o falso início.

Perrenoud é bom. Foi só o dia errado. A menina teve vontade de ler outras coisas. Coisas de pessoas conhecidas e não-francesas. Nada contra às pessoas francesas, é só porque ela não conhece ninguém que seja francês. E aí a menina abriu blogs que se fossem livros estariam empoeirados, com teias de aranhas e comidos por cupins. Malditos cupins! Comem sempre pedaços de palavras e depois já não se pode compreender se era apertar ou apartar. E nem é preciso dizer que isso muda muita coisa. Mas ela, prolixa que só, diz.

E assim, na vontade das leituras conhecidas, ela encontrou uma leitura nova. E foi melhor ainda que as leituras antigas porque significava que os amores antigos podem também serem amores novos. Não é lindo? A menina acha que é. E exatamente na semana em que a menina tinha decidido abandonar de uma vez por todas aquele amor que nunca ficava e que nasceu aqui mesmo em segredo, ela parou e sorriu.

Sorriu porque é bom lembrar. Sorriu porque dia desses ela fez um rabisco na agenda que cospia compromissos e costumava zombar dela por testemunhar os horários e prazos não cumpridos. E nesse rabisco, a menina falou que tomava café só para impressionar e parecer adulta, mas na verdade era chocolate quente que ela bebia. E então a menina sorriu porque foi ela mesma quem inventou a crise, assim como o café.

Deve ser saudade, o que sente a menina. Saudade dos dias vazios e das tardes chuvosas. Saudade dos fragmentos, dos rabiscos. Saudade daqui.

No fim das contas, a menina quer dizer que o tempo passou e ela agora sabe se declarar. E existe lá dentro, bem fundo uma vontade gigante de jogar todos os cacarecos que ela carrega na bolsa no lixo e sentar e rir da agenda. Que tipo de agenda prevê um dia para Perrenoud? A mesma que marca horários para encontros de amor, é verdade. Ainda bem que quando a menina entra em crise ou se apaixona, ela pára e escreve. Ainda bem que ela ainda se apaixona de novo, pelas pessoas antigas, assim como pelas novas. E quem sabe, num cantinho esquecido no meio das rasuras, tenha algum espaço ainda para que ela ame até Perrenaud.